sexta-feira, 7 de outubro de 2011

nonSense (capitulo terceiro)

Yolanda Be Cool 

Sing Sing Sing


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Cap.3
Carro, mentiras e alguns percalços...

É não lembrava mesmo, que precisava repuxar tanto esse corpo que carrego pra voltar a ser mulher e não uma coisa enrugada. Reconheceria o barulho desse carro mesmo se estivesse numa corrida automobilística. Gostaria de dizer o mesmo do meu corpo. Do alto dos meus setenta anos ficaria difícil reconhecer a furação que já fui um dia. Ele chegou...
            E como sempre esta na sala, esparramado naquela poltrona gasta e ridícula. Deve achar que eu faço parte da mobília da casa. Gostaria de um dia poder usar a desculpa de que comecei a trair por amá-lo tanto, ou por precisar chamar sua atenção. A verdade é que nunca o amei. Ele servia antes pra me satisfazer monetária e sexualmente. Hoje em dia só da conta de uma delas. Tem como único “hobbie” me encher a carteira e a paciência às vezes. Talvez ainda me tenha como um troféu de adolescente.
            Passo a mão entre seus cabelos, não é porque te traiu que deixaria de ser carinhosa. Sou uma mulher vivida, sei amar de varias formas. E não seria eu mesma se não fosse por você. Ah! Se ainda tivéssemos vinte anos... Talvez eu nem me casasse-se com você. Apesar do seu sexo e do seu carro terem me arrebatado. Aviso que estou saindo, na sua cabeça vou me enterrar no meio de um monte de outras múmias. Jogar um pouco de canastra, rir descaradamente depois de algumas canecas de cerveja ou taças de um vinho barato. Na verdade só a ultima parte é de fato verdade.
            Dessa vez eu achei as chaves sem a sua ajuda. Estou com esse carro há poucos meses e já estou farta dele. Burlando o foto sensor, correndo sempre mais que o normal. Como diz o meu analista, procurando uma morte que nunca me acha. Na verdade só procuro me sentir um pouco viva. Ainda não escolhi o bar de hoje.  Não, hoje eu vou ter meu próprio troféu. Penso como se já não tivesse pensado nisso antes.
            Chego ao bar, meu grupo já esta aqui, meus olhos esquadrinham tudo que esta ao meu alcance e muitas vezes o que não poderia estar também. Crio milhares de ilusões, alguns tapetes vermelhos e tudo mais, sem holofotes dessa vez. Tenho aprendido que segredos podem ser ótimos amigos. Aqui eu me sinto viva. Volto alguns anos e minhas rugas somem. Noto que o safado esta no bar. Sempre detestei vodka, e a essa altura ainda não sabia que viria a detestar quem a tomasse também. Verifiquei o celular, dentro da bolsa, o inferno de sempre, dessa vez até meia calça extra eu encontrei lá. Acessórios e tudo mais, afinal a noite promete e tem mais é que cumprir. Eu mereço só por usar essa coisa imbecil que deixa gostosa, mas não me deixa respirar.
            Meu jeito infalível de dizer “você é meu”. Sei que o garçom deve me achar uma velha safada e insolente. A marca da aliança, que já nem faço questão de esconder, me denuncia. Embora atenda os meus caprichos, não gosta de lembrar, pelo que sinto, das minhas caricias. Homens são criaturas estranhas. Gostam de serem domados, mas não de admitir que o foram. Ainda mais se for na cama. Eu nunca refreio uma gargalhada maliciosa quando devoro um belo homem, e noto que ele se deixou dominar a custo. O barulho que arranco deles é meu elixir de juventude. Meu marido nunca foi muito bom nisso. Sempre se manteve inerte. Ele passa e não resisto, me farto numa “bundinha” dura.
            E hoje ele não me escapa. Está tudo pronto pra que ele caia na minha teia. O “drink” perfeito. Ele me acena ao recebê-lo, bom sinal lembra-se de mim... dos presentinhos da semana anterior. Esse foi particularmente delicioso de se conquistar. Sempre me passou a impressão de se deixar encantar. Na cama foi um verdadeiro mestre, soube me deixar com vontades... fabricou meu elixir, mas senti que ele não estava lá apenas comigo. Seu sorriso me embala com um velho e gasto blues... me deixa frívola...
            Noto que tem algo mais decidido em seu andar, agora não era mesmo uma boa hora pra que ele se aproximasse. Tenho outros planos além dele. Temo pelo rapaz que seria meu jantar da noite. Toca-me, fala algo com uma voz de trovão, porém doce. Eu já praticamente bêbada, não saberia nunca dentro daquele tufão, controlar meus atos. O outro sumiu. Meu corpo parecia agir sozinho. Eu orquestra ele maestro. Minha bolsa vai ao chão, rapidamente é devolvida ao meu colo. Toco suas mãos, o sinto tímido. Noto que poderia ter mais idade que sua mãe. Nunca tocamos nesse assunto. Sai vai ao banheiro e tenho tempo de relembrar da textura, que tem uma bunda como a sua.
            Nunca soube envelhecer.  Detesto médicos, rugas, cabelos brancos, as tais dores da idade que nunca senti. Começo a rir alto, a chamar tanta atenção quanto se pode... lembro que minha casa é perto do bar, penso que loucura seria se a minha múmia particular pudesse me ver agora... nunca vou me perdoar por ter pensado isso. Escuto o barulho do motor... as suas chaves. Sua voz numa única palavra. E penso que pareço mais uma lontra, mas uma vaca? Quanta imaginação... penso milhares de coisas, em dizer a ele outras milhares desagradáveis, não sei se realmente disse algo... Embora sinta que meu casamento de imperfeições congênitas acabou numa mesa de bar.
            No carro de volta não sei pra onde, a minha guerreira se desfaz em lagrimas como desfiz alguns postes e muros, não sabia que meu sangue poderia ter uma cor tão linda. Amaldiçôo-me. Nem nesse momento eu senti dor ou medo. Não pretendo abrir os olhos. Vivi sempre uma mentira colada na outra. Meus filhos não precisam mais de mim, o mundo não é um lugar tão colorido se você mesma não pintar ele com algumas mentiras. Se eu fui uma mentira ou não, isso não importa. Desde que eu morra pra virar uma boa pessoa. Não, eu não vou mais abrir meus olhos. Foi o que disse desde sempre. Vivi uma bela e furada mentira, mas vivi mais que a maioria, mentira pra ti, verdade pra mim... sempre foi assim...


Continua...

camillu Borges
insolação é meu preferido estilo de vida...