sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Manoel - Dias de chuva...

"Não parecia transpirar...Nunca soube se seu humor variava com o clima ou se o oposto"
Pelo pouco que ainda sou capaz de lembrar precisamente, conheci Manoel num irritadiço dia de chuva. Sempre achei meio pertubardor como o clima combinava com o humor dele. Ele vinha pelo corredor quase sem notar que estava em movimento, absolutamente perdido dentro de uma fotografia, que nunca soube de quem era. Na verdade lembro disso porque acabei rindo por muito tempo. Ele parou a um palmo de mim, me olhou completamente perdido, olhou o corredor em volta e disse: 'Onde eu estava indo mesmo?'. Olhou-me como se eu fosse capaz de responder alguma coisa ou fosse uma resposta.
Nao era nenhum pouco seletivo em suas crenças, mas era capaz de dar a melhor definição sobre tudo o que se podia falar. Eu cheguei a duvidar se a estadia de Manoel nesta realidade tinha mesmo sido aprovada. Ao mesmo tempo que ele conseguia ser um puto sem o mínimo de caráter ou vergonha na cara, era o mais doce e amável dos garotos, achei que anos mais tarde eu iria acabar sabendo que ele era um daqueles psicopatas de dupla personalidade ou talvez eu apenas estivesse sendo influenciado pelos livros do Mr. Stevenson, O médico e o mostro, A ilha do tesouro. O fato é que enquanto todo mundo conhecia um, eu tinha milhares de Manoeis alojados num só.
Não cumpria horários, era amado por uns e odiado por outros tantos, o mais lindo é que ele parecia nem notar ou simplesmente não se importava. Tinha sonhos tão grandes que ninguém se encaixava; as pessoas que entravam em sua vida pareciam peças de vários quebra-cabeças diferentes soltas dentro de um saco. Era como uma força da natureza, meio água, pois simplesmente escoava, meio rocha sempre ali firme e por vezes desastre, tsunami e vulcão...
Manoel adorava pessoas, como toda criança gosta de seus brinquedos. Tinha um ar controlador e manso. Um certo dia estávamos numa festa, como sempre muito bêbados e notei que um círculo estava se formando à minha volta. Todos nos olhavam. Quando notei estava vendo a cena mais enebriante da noite, achei muito engraçado. Depois de algum tempo eu me acostumei com algumas de suas loucuras (digamos assim), bem, o que estava acontecendo era quase uma orgia em público. Eram duas meninas e um garoto que ele estava beijando ao mesmo tempo, se é que posso chamar aquele emaranhado de bocas de beijo. Adorei notar os olhares de medo, nojo, reprovação, provocantes e sobretudo invejosos. Eu ri, baixei a cabeça e bati palmas. Foi lindo. 
Minha cadeira não nos permitia ir a muitos lugares, mas isso nunca foi problema. Eu tinha o mundo bem ali, em cada mecha do cabelo dele. Sim, falar assim soa meio gay, mas isso não tem mais importância. Manoel me ensinou isso também, na verdade, ele me ensinou a nascer, a ver mais de dois lados numa moeda, a ficar embriagado de tantas coisas, de tantas pessoas. Sabe aquelas versões de músicas super barulhentas, fortes e contagiantes que ganham uma força meio hipnótica? Sempre tinha uma tocando de fundo, vindo do nada. Era de fato outra dimensão.

sábado, 2 de novembro de 2013

OUTGOING - Manoel

"Era expansivo. Essa foi a maneira que encontrou de  manter-se a salvo. O problema, as vezes, acontece quando essa barreira fica fina ou expeça demais"
       Manoel era um garoto de pensamentos simples. Seu problema começaria quando a Rotina, professora dura e quase implacável, chegasse à sua vida. O que este pobre e rude garoto poderia fazer contra uma força descomunal? Não poderia ser mais óbvio. Ele poderia continuar a ser simples e docemente rude. O problema que deveria ter sido reduzido quando a puberdade chegou, em suma, foi multiplicado. Manoel tinha muitas borboletas no bolso da bermuda e nada tediosos maquinadores macaquinhos no sotão inventado. 
        Se me lembro bem Manoel disse "EU TE AMO" algumas vezes na vida, muitas delas em silêncio. A maioria para sua mãe, outras disse à garotas, garotos... e quase sempre sem palavras. Pobre garoto rude, sabia como era sangrar, conhecia e teorizava seus amores de cobre. Enlouquecia, vez por outra a si, vez ou outra seus coadjuvantes, mocinhos e para fugir da rotina donzelas perdidas em draconinas mãos. Gostava de montar em seu cavalo cinza e roubar alguns príncipes de latão.
         Tinha um certo gosto violento por gargalhadas, ria muito sempre por pouco, não ficava feliz o tempo todo e sempre que podia mostrava alguns poucos e potentes espinhos... A grande verdade, ele mesmo conhecia. Seus sentimentos pareciam perecíveis demais. Mesmo que não fossem, ele não chegaria a conhecer alguém disposto a ser maltrado por tempo suficiente para que ele, coitado, pudesse florescer. 
         Poderia ser engraçado, se ele mesmo não tivesse tanto medo de si e do que poderia ser capaz de fazer. Amar nunca foi um problema, mas ele estava mais interessado em ser cobiçado do que em qualquer outra coisa. Das pessoas que passaram pela minha vida, nunca vi alguém com tão pouco carisma chamar tanta atenção. O que ele emanava era algo diferente e quase hipnótico, ou pelo menos, ele acreditava nisso. O que mais me diverte nisso tudo são todas essas pobres criaturas que acreditam na eternidade de quem sente e vive como fragrâncias. 
          
          -Vamos embora Manoel... Um dia a eternidade te alcança...


Editado por Gabriela Zoca