quinta-feira, 27 de outubro de 2011

nonSense (capitulo quarto)


Trilha sonora indicada

Jamiroquai

Half The Man



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Cap 4

CALAR, VIVER OU CALAR...

"Não é muito de meu feitio reclamar. Embora muitas das vezes eu mastigue e engula minha vontade devassa de estrangular alguém. Tenho poucos momentos apenas meus. No meio dessa balburdia lembrar-se de mim e que não devo ter personalidade, é maçante, mas sou um bom ator. Por vezes finjo que é uma festa na minha casa e que todos eles são meus amigos. Não durou muito até a fantasia me devastar..."

É eu poderia dizer que todas as pessoas são tristes e que buscam conforto no que meus braços e pernas podem lhes oferecer, quem sabe até poderia dar exemplos de pessoas vazias que parecem reger o mundo com batutas mágicas e invisíveis, mas me contentarei apenas em afirmar-lhes que a felicidade de todos é volátil demais pra ser registrada. Uma fotografia talvez possa captá-la, mas até mesmo ela se desgasta, perde a cor, o sentido e vai parar no fundo de uma gaveta, de uma garrafa de vodca ruim, num dia embolorado de nostalgias quase sacras.
Todas as noites de minha vida eu escuto sempre a mesma coisa. Sempre acho eu entrei no automático, pessoas, seus pedidos e suplicas, chego a achar engraçado. Meu sorriso já um personagem aquém de mim. Por vezes tento tomar o lugar do maestro e sempre me parece que apenas sou capaz de dar corda numa caixinha de música e que essa corda sempre acaba bem depressa. Vejo-me olhando pra uma bailarina cheia de curvas e dengos. E sempre sinto falta de algo, que remeta a uma coisa pura e branda. Sinto nessa bailarina mais rancor e gula, que uma delicada sutileza. Ela se move, pois sabe que o mundo a devora. Sei que ela se deixa levar pelo seu ar de caçadora, sei ainda que isso tudo é apenas redoma. Entendo que por mais que me doa não seria capaz de esquentar a noite aquela alma que tanto anseia e exala carinho... ou seria apenas sexo?
Antes mesmo de perceber, os “drinks” parecem surgir e terminar no nada. Com se um balé carregasse meus pés para todos os lados. Não tenho tempo de me perguntar pela felicidade. Prefiro esperar pelo salário no final da semana e pelas gorjetas no final da noite. Onde uma casa e não um lar me espera. Detesto essas pessoas que me mostram como é ruim não estar bêbado, como souincapaz de esquecer essa noite tão igual a todas as outras.
Esse rapaz sempre me incomoda. Evito olhar pra ele, sempre pede a mesma bebida, muita vodka e pouco gelo, uma fatia fina de limão so pra me dar trabalho. Fico encantado no modo como o sorriso dele combina com o copo, como aquela boneca de porcelana se encaixa nele, em como se desfaz dela, o estranho modo que tem que conquistar e destruir corações. Creio que até o fim da noite o dele também será destruído, pra que esse ciclo posa ser encerrado.
Um casal brigando, uma mulher chorando, um idiota sorrindo e eu aqui apenas servindo, servindo e servindo de paisagem. Parece que todo o garçom tem o mesmo nome, o mesmo rosto, a mesma alma. Acredito que o mundo esquece que também amamos que também temos historias e estórias pra contar. Meus ouvidos sabem funcionar menos que minha boca, posso regular o que falo mas não o que escuto. Quisera um dia ter pálpebras nos ouvidos pra poder parar de escutar so por um dia.
Ao passar pelas mesas sinto a metade de mim que deixei atrás do bar reclamar. Sinto meu peito apertado. E aquela vontade tola de gritar rasgar a roupa e tomar um beijo de uma pessoa qualquer. Talvez o álcool que transponho de um lugar ao outro tenha me afetado. Tenha me dado talvez so um pouco de coragem. Quem não quer tomar um gole de felicidade? Uma dessas que inebria a alma e te deixa leve enquanto sai do teu corpo. Essa é a parte que dói do amor, quando ele vai embora.
Esse tal de amor e essa tal piranha chamada de felicidade são como uma dose de vodka pura. Para que os possua você precisa de três coisas, coragem para enviá-la goela abaixo, estomago forte para a deixar pousar e coragem pra continuar bebendo. Ficar bêbado, feliz, amar tudo isso ate a ressaca chegar. Pena que hoje eu não possa ficar bêbado...
Gosto de ficar ocupado, muito ocupado. Bebidas pra entregar, gelo pra triturar. Pedidos especiais, de uma garotinha que não existe mais. Prefiro ficar ocupado muito ocupado ao ponto de esquecer quem sou... se sou feliz ou pra onde vou. Eu escolhi essa vida cinza, não gosto de riscos. Sinto um copo se aproximando e dessa vez meu pedido é atendido... Minha cabeça interrompe seu trajeto. Eu caio derrubo alguém e esqueço-me de quem sou... Fui vencido pela minha covardia, como tanto desejei ser mais fraco pra continuar lutando sem temer minha força.
Passei a vida procurando ser algo que jamais tive vocação pra ser... Virei brasa quando poderia viver como uma grande e suntuosa árvore.