Talvez um dia eu passe a pensar com
palavras, a contar as letras de tuas frases e descobrir o que te destoa delas. Talvez
eu um dia qualquer olhe para a sua foto no canto esquerdo da tela e não te
reconheça mais. Quem sabe neste dia o calor tenha parado de me incomodar e o
seu cabelo de me fazer cócegas durante o sexo. A chuva pare de fugir e essa dor
idiota tenha me matado de uma vez por todas.
Não é difícil notar quando a morte esta
batendo as botas na soleira pra tirar a lama que você espalhou, embora esse
azul tão estúpido que o céu insiste em vestir seja tão mais difícil de aturar. Estava
caminhando numa das ruas apinhadas do centro hoje. Tinha esquecido como é bom
não notar os rostos. Deixar passar toda aquela angustia que cerca a vida de
tantos humanos. Deixá-los paisagem eterna, que maravilha seria. Embora alguém
sempre me esbarre num braço suado e traga de volta toda a minha corrompida
humanidade. Assim, eu logo entendo que as pessoas esbarram pra voltarem a
existir.
Infelizmente sei da minha não existência.
Sou um emaranhado de idéias, um enrugado monte de coisas quem sabe um pouco férteis
demais. Uma esquina, onde um mendigo sentado olha fixo o pôr-do-sol. Ali sentado
ele incomoda mais pela mescla de lagrima e sorriso que pelo fétido perfume atabacado. Uma lagrima seca e alegre. Não nos enxergamos, e sinto que meu
espelho me cega mais e mais a cada dia que passa.
Está decidido. Vou velejar numa calçada
de pessoas, esnobar esquinas e sempre andar em linha reta, jamais retroceder,
flexionar os joelhos ou sequer olhar as opções para o desvio da reta. Quem sabe
eu encontre logo um mar para beber. Deixe a praia e numa Atlântida devaneada em
faltas de oxigênios, eu deixe que uma parte de mim vire mendigo. Parte tal que
nadando desesperada para ver o pôr-do-sol consiga salvar o que há de bom em
mim.